MPT consegue condenar por assédio moral empresa que discriminava baianos

A Bematech S/A foi condenada a pagar R$ 300 mil por assédio moral em ação movida pelo Ministério Público do Trabalho (MPT).

As ofensas eram praticadas por gerentes, que insultavam, constrangiam e humilhavam os demais funcionários, usando expressões como “baiano lerdo”. A sentença proíbe a empresa de permitir que se ofenda a honra, a moral ou a dignidade de seus empregados. Também deverá elaborar programa permanente de prevenção ao assédio moral e promover palestras sobre práticas discriminatórias.

O procurador Rômulo Almeida, autor da ação, foi notificado da sentença datada de 20 de novembro e se impressionou com as palavras da juíza Lucyenne Amélia de Quadros Veiga, da 36ª Vara do Trabalho de Salvador para fundamentar a sentença. “Apresentamos a ação após nos convencer da prática de assédio moral, com fortes traços de preconceito de origem e encontramos na magistrada que apreciou o caso a sensibilidade para dar uma decisão exemplar”, avaliou o procurador.

O MPT mostrou que o assédio moral era praticado pelos gerentes Rodrigo Galvão e Gustavo Zuali, que ofendiam seus funcionários com insultos, constrangimentos e humilhações, o que foi confirmado na sentença. Na decisão, a magistrada reconheceu que as ofensas proferidas eram de responsabilidade da empresa, que não adotou qualquer medida para evitar a prática. As expressões usadas reiteradamente revelavam discriminação de origem, pois atingiam todo o povo da Bahia, com expressões como “baianos lerdos”, em associação à suposta incompetência e ineficiência dos funcionários.  

Elite branca - A sentença da juíza Lucyenne Veiga destaca que o estigma do baiano lerdo, preguiçoso e com aversão ao trabalho não possui qualquer dado de realidade. “Na verdade, segundo estudos antropológicos, o estigma de preguiçoso do baiano teve origem na elite branca que dominava o Brasil na época da escravidão dos negros e era usada para desdenhar desses escravos que laboravam até a exaustão”, pontuou a juíza. Ela levou em conta que o estereótipo atinge principalmente a classe trabalhadora, mas “o povo baiano, assim como os demais brasileiros, é um povo trabalhador, forte e resiliente, com grande capacidade de adaptação”.

A ação do MPT (Processo nº 0001340-80.2015.5.05.0036) foi instruída com documentos obtidos após regular trâmite do Inquérito Civil nº 002445.2014.05.000/2-12, que se valeu, como prova emprestada, de peças extraídas da reclamatória trabalhista nº 0000078-61.2011.5.05.002, cuja sentença reconheceu a prática do assédio e condenou a mesma empresa por dano moral. A decisão foi confirmada em segunda instância, com base no comportamento discriminatório reiterado da Bematech S/A, em claro abuso do poder diretivo e disciplinar.

Contra a Bahia - As testemunhas ouvidas confirmaram a humilhação praticada pelos gerentes, que utilizavam expressões racistas – e sobretudo preconceituosas contra a Bahia – para se dirigir aos subordinados, como “preguiçosos, lerdos, moles, devagar”. Atitudes discriminatórias convenceram a Justiça da prática do assédio moral, caracterizado por violência psicológica, constrangimento e humilhação, o que leva a vítima a situações incômodas e à desestabilização emocional, sobretudo quando se prolongam no tempo.

Em defesa, a empresa alegou que sempre cumpriu determinações legais. Testemunhas de defesa também prestaram depoimento, o que não foi suficiente para desconstituir a prova testemunhal produzida pelo MPT. A Bematech alegou também que um de seus gestores era nordestino, mas a juíza considerou que o argumento não leva à conclusão de que, por este motivo, um nordestino não ofenderia outro, “até porque, infelizmente, não raro um oprimido assume o lado do opressor”.

Combate aos retrocessos - A magistrada também ponderou que o Brasil vive um momento em que os cidadãos deveriam unir esforços em combate aos retrocessos sociais, em aceitação à diversidade do ser humano e do próprio país, cujas regiões “apresentam diferentes peculiaridades culturais, não se podendo afirmar de modo algum que uma região é melhor que outra”.

Para a juíza, o estereótipo “Dorival Caymmi” de que o baiano só quer festa, rede e água de coco não merece prosperar. “A arte e poesia de Caymmi, com liberdade criativa, não pode jamais servir para definir um grupo social”, completa. A decisão também aponta estudos, como o artigo “Uma Verdade sobre o Povo Baiano”, de Leandro Isola, e uma tese de doutorado da professora Elizete Zanlorenzi, da PUC de Campinas, que apontam o descompasso entre a realidade e a imagem que se tem do baiano. Em apertada síntese, demonstram que a “preguiça baiana” não passa de uma faceta do racismo.  

O valor a ser pago, fixado como compensação punitiva, para evitar a reincidência dessa prática, será revertido ao Fundo de Promoção do Trabalho Decente, à Associação de Pais e Amigos de Crianças e Adolescentes com Distúrbios de Comportamento e ao Lar Irmã Benedita Camurugi – R$ 100 mil para cada. A empresa não mais possui filial em Salvador, o que não tira dela a responsabilidade de pagar pelo dano moral causado.

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